Nem tudo começa aqui e nem tudo acaba aqui

Uma viagem conduzida por:

quarta-feira, dezembro 31, 2008

Catarse


E chegara ao lugar onde o mundo, tal como o conhecia, se quebrava e fundia com as mil e uma outras dimensões que se estendiam pelo continuum espácio-temporal... Olhou em volta a praça vazia. Não se via vivalma, o que era estranho, tendo em conta que esta era a noite da passagem de ano. Seria de esperar encontrar o local a abarrotar de convivas celebrando a honrosa morte do ano velho e festejando o nascimento do novo ano... Onde estariam todos? Teriam partido para uma das outras dimensões? Ou teria ele dado o salto sem se aperceber, calcorreando já um mundo como o mundo jamais vira? Então ouviu o sibilar dum foguete subindo aos céus. A sua explosão anunciava o minuto zero do ano que chegava. O fogo de artíficio encheu de colorido os céus, e, sem entender como, encontrou-se no meio da multidão que saltava, se abraçava e beijava, dando as boas vindas a 2009. Sorriu. Já não estava cá, mas também ainda não estava lá. Percebeu que tinha de partir, cortar o cordão e seguir. Murmurou meia dúzia de palavras que morreram no bruá da imensa massa humana, deixando atrás de si apenas um espaço vazio no meio dos homens, mulheres e crianças que iriam fazer da noite madrugada e da madrugada dia.

[ O Que Olhas Peregrino?]


" Ele chegara áquele Lugar que todos diziam sagrado, onde deuses se deixaram olhar pelos Homens pela primeira e única vez... onde Elfos e Fadas desembarcaram para darem início à maior batalha de sempre da história da Terra.... onde Guerreiros da Luz se reuniram e olharam a Lua juntos, desde há milénios...
Ele estava sózinho, mas muitos ficaram para trás, toda uma vida se desenrolara à sua frente quando se lembrava disso mesmo... dos seus amigos, das promessas levadas pelos ventos... dos momentos bons e dos momentos maus...
Procurou pelo seu amigo e companheiro de viagem e sómente conseguiu lembrar-se das suas palavras... « - Eu chegarei quando tu o quiseres... »
Não entendia muito bem o que aquelas palavras, meio enigmáticas, queriam dizer... o que é certo é que não se sentia bem sem ele, sentia-se seguro perto dele... e nada parecia ser impossível quando estavam juntos... nem mesmo esta viagem tão longa que há tanto Tempo iniciara.
Foi então que se sentou e olhou o pôr-do-sol... e... ao mesmo Tempo... alguém perguntou:
« O que olhas Peregrino?...»
Virou-se e olhou espantado o seu companheiro de viagem...
O seu amigo e companheiro disse:
«Eu cheguei quanto tu o quiseste... »"

segunda-feira, dezembro 29, 2008

[ Sonho em Azul ]


"A tua alma mergulha num imenso azul... és o viajante de um Tempo que passa...

Vejo o dia amanhecer...

Procuro nos céus sinais de ti..."
.

domingo, dezembro 28, 2008

O Construtor


"Quando começamos a amar alguém, ficamos tão egocentricamente cegos pela nossa própria dor, que não vemos o sofrimento que, eventualmente, possamos causar no desespero em que nos movemos em direcção ao objecto do nosso amor." O Construtor falava com os olhos fixos na casa onde sonhara ver crescer o seu amor, os seus filhos e até os seus netos. "Esta casa nunca será terminada... fica como o monumento a um amor imperfeitamente completo, uma homenagem a quem me partiu o coração por eu lhe ter partido o seu antes." O Contabilista esboçou um gesto de protesto, mas ao ver a forma como os olhos do Construtor se afogavam em lágrimas, calou as preocupações da sua aritmética e refez alguns cálculos. Assim como assim, o Construtor não ficaria tão pobre de dinheiro como o era agora pobre de afectos. O Contabilista colocou a mão sobre o ombro do Construtor e começaram ambos a descer o monte em direcção à cidade.

sábado, dezembro 27, 2008

[ Sempre Contigo... ]


" Lado a lado caminhamos juntos, cúmplices de uma história secreta, que um dia, o Tempo irá guardar...
Agarras a minha mão para me salvares de um qualquer abismo, e dizes-me «amo-te» sem saberes que sou eu quem já te ama...
É o imenso Oceano que apaga o passado, levando as nossas memórias, tal como as pegadas que gravaste comigo na areia.
Caminharei lado a lado sempre contigo... até ser dia... até ser noite..."

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Encantamento


Da janela da sua cela o mundo afigurava-se infinitamente mais belo do que depois de calcorrear os caminhos encosta abaixo. Lá em cima havia uma viagem imaginária a empreender rumo à água revitalizadora do rio. Cá em baixo apenas o frio que se entranhava nos ossos e as gotas molhadas que o sol tardava em secar por toda a sua pele. Nessas alturas recordava a pressão suave do corpo dela, aquecendo-o num abraço que nunca era suficientemente longo. Por esses dias a água do rio parecia-lhe estranhamente tépida e agradável. Pensava em como era gostosa a sensação dos lábios dela sobre o seu ombro molhado, sobre o seu peito mal seco, sobre... Alguém o chamava. Será que!... Não, não era ela. Ela esfumara-se no tempo, como se nunca houvera existido. Aquela era simplesmente a voz do engano, um truque de ventríloquo do destino, servindo-se dum ramo partido, dum cacho de uvas a cair, dum animal a escapar-se pelas giestas. Era hora de voltar para o mosteiro, as tinas estavam já cheias de água. Puxou o burro, mas olhou uma última vez para trás desconfiado. Poderia jurar que ela o olhava por detrás daqueles arbustos ou daquelas pedras. Mas como poderia isso ser? Não fora naquele rio que se havia banhado com ela... não haviam sido aquelas águas as testemunhas silenciosas das suas amnésicas juras de amor eterno... Por estranho que parecesse, e apesar de ele nunca ter cumprido a promessa do regresso à margem desse outro rio (para quê estragar um momento perfeito?), aquele continuava a ser um lugar prodigioso, uma espécie de encruzilhada de magia e encantamento onde tudo parecia possível.

domingo, dezembro 21, 2008

[ O Teu Refúgio Contigo...]

" Por momentos hesitaste, um silêncio te aguardava naquele teu lugar, um vazio imenso sentiste no teu peito... como era possível alguém habitar um lugar onde nunca estivera?
Confuso e algo enebriante, viajaste no Tempo até ao outro lado do Oceano onde um abraço te aguardava ainda... e sempre..."

quinta-feira, dezembro 18, 2008

Desmoronamentos



"A sombra sofre também dos padecimentos do corpo, a tala numa perna partida implica também a sombra da tala na sombra da perna; é por isso que eu fujo da luz." Explicou ela. "Só saio a esta hora, quando as sombras desmoronam a cidade, e, por breves momentos, o mundo é um lugar seguro para a minha sombra. Se ela não sofrer, nem males de espírito, nem males da carne, é possível que eu não sofra também."


Era esta a justificação para nos encontrarmos assim fugidia e furtivamente no mesmo lugar onde nos havíamos visto pela primeira vez.


Ela enlaçou-me nos seus braços, beijou-me os lábios e perguntou "Amas-me?"


"Amo-te como nunca acreditei poder amar alguém." Respondi, encostando-me à amurada da ponte secular.


"E és feliz?" Quis ela saber.


"O amor não existe para nos fazer felizes..." Hesitei, embora decidido a não mentir. "O amor é o lado de dentro da felicidade, mas nunca, nunca nos deixa entrar verdadeiramente, por mais que batamos à porta..."


Ela desenlaçou-se gentilmente do meu corpo, fazendo os seus braços deslizar de forma suave pelos meus, as suas mãos percorrendo de modo macio as minhas mãos até as deixarem suspensas no vácuo da despedida.


Afastou-se como sempre o fazia àquela hora. Era a sua hora de partir. A iluminação pública começava a acender-se, desmoronando as trevas do lusco fusco, trazendo sabe-se lá que hipotéticos malefícios para a sua sombra.


Eu deixei-me ficar longamente debruçado sobre a ponte, depois da silhueta franzina desaparecer numa das inumeras ruelas da cidade. A minha sombra debruçava-se já também pela ponte, observando também a forma como os candeeiros reescreviam o mundo após a partida do sol. A catedral entrava-me pelos olhos dentro como as lágrimas que eu tentava a custo reter, o rio parecia correr para aquele lugar onde eu nunca, nunca conseguiria chegar.


terça-feira, dezembro 16, 2008

[ A Alma do Tempo... ]


" Ele em criança sabia que os animais eram parte da natureza, habitavam as suas histórias, sonhava e falava com eles a mesma linguagem...
Ele sabia que os animais sentiam e ouviam o mesmo que ele... nem era preciso falar com o seu cão, amigo de tantas brincadeiras, cofre dos seus segredos e seu confidente. Sempre que algo não estava bem, era a ele que se dirigia... abraçava-o e ele retribuía olhando-o fixamente nos olhos... porque é assim a verdadeira amizade... estivesse onde estivesse, perto ou longe, nalgum passado, presente ou mesmo futuro ele lá estava... e já em homem o relembrava com um brilho nos olhos que escondia de todos... porque naqueles momentos voltava a ser criança.
Um dia... teve de partir... não se despedindo do seu amigo de brincadeiras... e nunca mais o viu. O seu coração ficou magoado, mas a vida corria mais depressa que ele mesmo... não se dando conta que aquele cão um dia o olhou sabendo que era a última vez que o iria ver... sim porque os animais sabem mais que nós... e ele só queria um abraço do seu amigo, daquela criança que ajudou a crescer e a tornar-se num homem... mas não se importou... aquele homem seria o seu amigo para sempre.
Um dia ao fechar o portão para partir ele latiu dizendo-lhe um adeus, os sons confundiram-se e o seu " menino" partiu sem olhar para ele...
Anos mais tarde o mesmo homem relembrou-o emocionado a alguém... e esse alguém contou-lhe que algures no Tempo, ele e o seu amigo de criança estavam ainda juntos... habitavam a Alma do Tempo..."

segunda-feira, dezembro 15, 2008

O Lado errado do Tempo


A noite era de lua cheia. Uma subtil luz azul poisara sobre a velha fortaleza e a cidade a seus pés, como uma espécie de pó fosforescente acumulado pelos séculos. As nuvens dançavam diafanamente diante da lua como se de véus se tratassem. Apesar da infinita beleza da noite, voltei a cabeça para dentro da idosa muralha. Sentia uma espécie de chamamento... algo me atraía para dentro do velho túnel... O silêncio das vozes dos milhares de pessoas que um dia tinham atravessado aquela passagem parecia ressoar ainda nas paredes e no chão gasto por incontáveis passos. Aspirei profundamente o ar da noite. Por um momento, acreditei estar no lado errado do Tempo.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

[ O Tempo Carrega as Promessas por cumprir... ]


" O Tempo cansou-se das promessas dos Homens, das suas palavras mansas e das manhas que essas palavras escondiam... negou-se a carregar as falsas promessas da Humanidade.... daqui para diante seriam os Homens a transportar tal fardo.
Passaríamos todos nós a usar de maior cuidado no uso da Palavra?
«- Eu Prometo que...» tornar-se-ia no inimigo principal de uma Humanidade fraca, com Homens falsos e colapsaria perante um peso imenso, maior que o próprio Universo...?"

O Homem na Lua


Há já dois anos que o homem chegara à Lua.

Nunca se esquecera da primeira vez que vira a obra do homem a tocar a lua.

"É uma simples ilusão," protestaram alguns, "algo que daqui a poucos minutos se esfumará como se nunca tivesse acontecido."

O homem sorriu e comentou que uma viagem, maior do que aquelas que se realizam desgastando os sapatos, era empreendida no lado de dentro de cada pessoa.



( Hoje o Paralelo 77 comemora o seu segundo aniversário ;-) )

segunda-feira, dezembro 08, 2008

[ À Procura de um Anjo na Terra... ]



" Caminhando na Terra de ninguém olhando as estrelas,
Fui o bandido, o ladrão, o amante, o cobarde...
Fui o guia, o santo, o pecador, o pai...
Amei e fui amado,
Odiei e fui odiado...
Acreditei e duvidei...
Menti e falei a verdade...
Chorei e fiz chorar,
Pedi perdão e fui perdoado,
Pedi perdão e não fui perdoado,
Conheci o Paraíso e o Inferno,
Sonhei... acreditando nos sonhos...
Sonhei... não acreditando nos sonhos...
Fui o louco e o poeta... não sendo nem uma coisa nem outra...
Abracei uma árvore mas ela não me abraçou...
Conheci a Luz e a escuridão...
Habitei o Tempo e a Eternidade...
Fui Eu, não sendo Eu mesmo...
Apesar de tudo... e apesar de nada...
Procuro um Anjo na Terra!"

domingo, dezembro 07, 2008

Brumosa anunciação


Antes não havia nada. Nem luz, nem trevas, nem som, nem silêncio. Um nevoeiro, que era uma espécie de esquecimento, cobria tudo, que eu ainda não sabia que era tudo. Eu ignorava e na minha ignorância desconhecia a felicidade ou a tristeza. Ser era um fardo que eu não sabia que carregava. E então veio o amor... eu ainda não sabia que era o amor, só o descobriria muito mais tarde na lingua própria em que os poetas se fazem ouvir. Mas inicialmente eu não sabia que era o amor... Calculava que fosse alguma coisa sem nome. Sabia que era algo sem definição, algo que me guiava sem me conduzir, algo que me percorria sem me tocar, algo que não era eu mas também não era outra a pessoa... E então abri os braços e esperei que esse algo me tomasse, me conquistasse, me fulminasse.

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