Vestiu o smoking que usara no dia do casamento. Quantos anos se haviam passado? Dois? Três? Vinte? Trinta? O céu estava cinzento e amarelo naquela manhã de Abril ...exactamente como hoje. Olhou-se no espelho na expectativa de encontrar ainda o menino imberbe que usara aquele fato pela primeira vez... Recordava bem como o coração lhe enchia o peito nessa manhã ...como nunca mais voltara a encher. Ainda assim o fato assentava-lhe como uma luva nessa manhã ...agora parecia ter encolhido na proporção do mirrar do seu coração ...ou talvez tivesse sido o seu corpo a inchar na impossibilidade da sua pele destilar todo o álcool que emborcava ininterruptamente. Chegou à janela e deixou-se ficar a medir as alterações que haviam acontecido na paisagem desde que aquela deixara de ser a sua casa. Desencostou-se rapidamente da umbreira ao reparar como o pó vincara um desalento ainda maior no triste e amarrotado fato. Não devia ter voltado ali. O fracasso é muito mais opressor no cenário da derrota. Preparou-se para devolver o smoking ao esquecimento de que o velho guarda-roupa não era mais do que um simples invólucro. Ao passar os olhos pelo quarto algo lhe pareceu estranho. Algo não estava bem ali. Olhou inquisidor a toda a volta até dar com o seu reflexo no espelho... O fato assentava-lhe como uma luva. Tudo estava absolutamente impecável. Os cabelos grisalhos haviam retomado a tez revigorada doutros tempos. Mas apesar da euforia inicial, algo travou o movimento que o impelira para mais perto do espelho. Porque se olhava com tamanha desconfiança? Algo estava errado com todo o quadro... Então lembrou-se... No dia do seu casamento, mesmo antes de sair para a cerimónia, ao passar uma última vez à frente do espelho da porta interior do guarda-roupa dera com uma estranha anomalia no reflexo... via-se estranhamente envelhecido e distorcido. Assustado atirara com uma cadeira ao espelho, que em vez de se estilhaçar em mil pedaços regressara ao normal. Sorrira nervosamente para o seu novamente familiar reflexo e abandonara precipitadamente a casa. Quantos anos se haviam passado desde então? Dois? Três? Vinte? Trinta? De regresso ao presente dava consigo perante um espelho estilhaçado impossibilitado de transmitir o aviso que lhe ficaria eternamente preso na garganta.
Nem tudo começa aqui e nem tudo acaba aqui
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terça-feira, abril 07, 2009
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1 comentário:
Fantástico texto......
Um grande abraço!
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