Nem tudo começa aqui e nem tudo acaba aqui

Uma viagem conduzida por:

quarta-feira, maio 07, 2008

A Curiosidade


O Estrangeiro sentia como os olhos dos seus concidadãos o seguiam para onde quer que fosse.

Interrogou-se sobre se não teria levado demasiado à letra a sua velha convicção de que a melhor forma de não sofrer era deixar de se importar.

Há muitos anos que o Estrangeiro não pensava na sua pátria, nos seus pais e nos seus amigos. Apesar de saber que não estava livre da acusação de não ser um bom patriota, um bom filho ou um bom amigo, nunca questionara a justeza da sua decisão.

Deixara de se importar para não sofrer a dor à ausência de si próprio e, consequentemente, não sofrer qualquer desvio à missão a que empenhara os seus dias.

Todavia, hoje não reconhecia ninguém quando caminhava na rua ou se sentava num café.

Não se enganara em relação à terra natal a que regressara? Não estaria duas povoações ao lado daquela que o vira nascer?

Não.

Este era o velho café onde em miúdo o Estrangeiro encetara uma volta ao mundo em oitenta segundos (o embrião de outras múltiplas viagens que mais tarde concretizaria) ao redor das mesas... da forma como só uma criança poderia realizar...

A intuição dizia-lhe que o empregado de balcão escondido atrás dum bigode branco deveria ser o mesmo desses dias... o grupo de senhoras idosas duas mesas à frente teria com certeza o hábito ritual do chá das cinco naquela mesma mesa desde antes do seu nascimento...

Porém, nenhuma reminiscência lhe provocavam e nada, para além de atónita curiosidade, lia nos olhares cruzados...

O Estrangeiro esquecera-se da pátria e a pátria esquecera-se do Estrangeiro... nada mais justo ou menos óbvio.

1 comentário:

Passageiro do Tempo disse...

Absolutamente GENIAL!

De uma sensibilidade tocante este texto... há muito que não lia um texto que me fizesse sentir desta maneira... e não o digo... escrevo-o!

Grande abraço!!!!!!

Arquivo do blogue