Nem tudo começa aqui e nem tudo acaba aqui

Uma viagem conduzida por:

quinta-feira, dezembro 31, 2009

O Caminho

Nunca perdera o caminho, costumava gabar-se. Mas isso fora depois de ter criado tamanha confiança em si próprio que nada o poderia tocar ou afectar. Antes disso dera também ele passos hesitantes e inseguros.


E, em verdade se diga, só muito mais tarde compreenderia que o que realmente importava não era nunca perder o caminho, mas sim saber escolher o seu próprio caminho... Nem que para isso tivesse de ver rasgadas as suas pernas e feridos os seus pés pela incúria dos homens.

terça-feira, dezembro 15, 2009

[ Inquietude ]

" Há Outonos e versos por desvendar, caminhos por descobrir... e momentos não vividos, a sós e lado a lado... e na tua memória ecoam as vozes de um passado recente...
Desbravas na tua mente o deserto que nunca visitaste... sonhas com um povo que não é o teu... relembras os cânticos na noite, onde as montanhas cantavam a um Deus que, inquietamente, era o teu próprio Deus...
Olhaste as estrelas naquela hora e comungaste com o Universo... o eco da montanha abria o caminho a um Universo até então desconhecido para ti... a certeza de que tinhas de estar naquele lugar era mais evidente... tudo fazia sentido...
Não mais esquecerás o momento em que a tua alma se desprendeu do teu corpo e sobrevoaste, ao som daqueles cânticos, as belas montanhas antigas do Riff... "

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Um segredo para ti


"Três anos" pode ser a efeméride de muitas coisas... de dor, alegria, frustração, medo, felicidade. Muitas coisas ocorreram neste mesmo dia precisamente há três anos: talvez te lembres ou não de certa noite em que não agarrámos o momento... ele anda a escapar-nos desde essa altura. Talvez seja altura de deixar de procurar esse momento... talvez seja o momento de deixar o momento ser este momento aqui e agora... talvez seja o momento de viver o momento e não ficar à espera do tal momento que nos parece ter escapado entre os dedos...
(E precisamente há 3 anos nascia também o Paralelo 77 ;-) )

terça-feira, dezembro 01, 2009

Como um raio de sol na superfície dos sonhos


O livro esperava sobre a mesa da sala. Estava exactamente no local em que o deixara, ligeiramente inclinado na diagonal em relação ao eixo da coluna de revistas que decorava a mesa. Deixou-se cair sobre o sofá e respirou fundo. Fora um dia terrível, carregado de problemas e fértil em contrariedades. Por mais que tentasse não conseguia esquecer as agruras do dia. por mais que se esforçasse não conseguia relaxar. Pegou no livro. Talvez se começasse a ler conseguisse afastar os maus pensamentos da cabeça. A sua agitação interior resistiu ainda a alguns parágrafos, mas, disciplinadamente, voltava à primeira linha e recomeçava. Em breve estava completamente imerso nos contornos da história que vivia dentro daquelas páginas. O dia pusera-se à muito para além da cordilheira da consciência. Era bem certa aquela máxima que não se cansava de repetir aos amigos que não gostavam de ler: um livro é um passaporte para sonhar.

quinta-feira, novembro 26, 2009

O Adeus...


" Sabias que aquela seria a última vez que sentias aquele olhar... escutaste a melodia do meu silêncio?
Naquele momento em que fechaste a porta do resto do mundo, tiveste a sensação de que todos os objectos da tua casa te olhavam em silêncio, esperando que sorrisses de novo...
Em silêncio... de novo o teu silêncio... aquele silêncio que tão bem conheces, voltou...
Os teus olhos choraram enquanto desviavas as cortinas para ver de novo o mundo que deixaste há instantes...
E do lado de lá, aquela pequena ave, te guiaria de novo ao imenso vale que um dia percorreste em menino... era para lá que deverias caminhar...
Tu nunca suportaste as despedidas sabes bem disso... "

quarta-feira, novembro 18, 2009

[ Marcas de um Tempo... ]


" Ninguém sabia quem era ou o que fazia naquele lugar, no entanto, ali estava ele naquele lugar de culto, onde o sagrado se ocultava em cada pedra e onde cada gota de orvalho, daquela manhã fria, eram as jóias num amanhecer quase púrpura.
Dentro de si escutava a melodia das noites na montanha, o luar mágico, os olhos de quem lhe dizia «amo-te»... e dentro de si... naquela imensidão que desconhecia até esse momento... com o mar ao longe... vislumbrava a silhueta de alguém...
Como esquecer? Como esquecer o caminho que lado a lado fizera no vale?
Será que na alma de alguém ficamos para sempre nalgum recanto mágico sem sair jamais?"

sexta-feira, novembro 06, 2009

Fio


O por do sol é o fio condutor que nos leva de dia para dia e nos fia o caminho... Estaremos nós presos ao mesmo poste de alta tensão? Seguiremos juntos ainda mais algum tempo ou encontraremos uma bifurcação do caminho em que eu tome o sul da solidão e tu o norte da saudade?

quinta-feira, novembro 05, 2009

[ Unlocked Dreams ]


" Allways in my dreams... the light...
That's my dream, that's me flying at sunset... allways with You... "

terça-feira, novembro 03, 2009

Passo em falso


Dançava com o luar...
um pequeno passo para ela,
um passo de gigante para a humanidade
...ou talvez para a noite que lhe enchia o coração.

terça-feira, outubro 27, 2009

Danças ao Luar...


" Quantas vidas e caminhos se encontram
Onde pertence o teu e o meu coração?
Quem és tu e quem sou eu?
Que estranha ligação é esta que nos une e desune a cada momento?

E... danças à noite ao luar... sózinho e acompanhado pela tua Via Láctea...
Sonhando com as estrelas... "

quinta-feira, outubro 01, 2009

Retrovisor


O céu é sempre mais azul no retrovisor do carro da frente,
o medo é sempre mais temível no nosso coração do que no peito dos outros,
a verdade é sempre temível quando não nos convém,
a distância é curta para o prazer mas longa para o enfado.
Como é que se acorda quando já não sabemos sonhar?

domingo, setembro 27, 2009

Essência


"Ao longo do teu caminho estende-se um vale... brilha de tão árido... mas bem ao fundo vislumbras a Luz da tua Promessa... de onde partiste... e és apenas humano não um Deus...
Ajoelhas-te, sentes o pulsar de toda esta imensa Terra, ergues o teu rosto aos céus, fechas os teus olhos e deixas-te ir na esperança de alcançares, no teu imaginário, a ponte para o Mundo dos sonhos que se revelaram a ti quando ainda eras criança… e escutas aquela voz…
- És igual à Luz do Mundo… dentro de ti existe o pulsar do Nosso Universo… és capaz… segue-nos…"

sexta-feira, setembro 18, 2009

Assim na Terra como no Mar


A hora do reencontro voara entre ambos, inapelavelmente... ganhara asas e circulava na abóbada celeste.
Mas agora não restavam mais do que algumas escassas braçadas para os separar...
O barco baloiçava gentilmente sobre as ondas, ao alcance dos olhos e do coração.
Congratularam-se ambos, reconhecendo que o amor sabe respirar tanto debaixo de água como fora dela, conseguia caminhar assim na terra como no mar.

segunda-feira, setembro 14, 2009

O Poeta que não sabia escrever...




" Ele contara-me a sua história e pediu para ser eu a escrever-lha...
O seu coração habitava as águas de um Oceano imenso e bem lá fundo guardava os mais intímos segredos da sua alma...
Porque seria eu o seu escritor? Porque era eu o escolhido?
Sentado, deixei-o a olhar o imenso Mar...
A promessa seria cumprida...
Por momentos, e num último relance... vislumbrei um menino solitário e perdido de mochila às costas numa manhã qualquer, num passado distante...
Será que reconhecemos alguém por qualquer razão sem sabermos a razão disso mesmo? Teria sido eu testemunha do choro deste menino enquanto se sentia perdido e sózinho, naquela manhã
de inverno? Estaria a pedir-me socorro? Seria ele mesmo o poeta que não sabia escrever?"

terça-feira, agosto 25, 2009

O meu cantinho


Por piores que nos pareçam as coisas há sempre um lugar onde o mundo está proibido de entrar. E não é reconfortante pensar no mundo como uma mascote que tem de ficar à porta enquanto nós somos aquilo que realmente deveríamos de ser? Cá para mim, somos tanto mais reais quanto mais nos conseguirmos abstrair da realidade... E sinceramente já não sei se isto é apenas uma velha idosa a falar ou a criança que acabou de descobrir que os adultos não acreditam na Magia.

segunda-feira, agosto 24, 2009

Os Nomes


Talvez não seja assim tão grave não me lembrar dos nomes das pessoas... Nunca precisei saber o nome das flores para as achar belas! Assim como assim, se não souber os nomes das pessoas tenho a certeza de que eles não cairão nos ouvidos errados. Esperem... há quantos anos acabou a guerra? Será que eu vivi realmente as agruras da guerra, ou será que agora, para além de não me limitar em condensar tudo o que me aconteceu num único momento, já vejo viajar também no carrossel que é a minha delirante mente as histórias que me contava o meu avô e o meu pai?

domingo, agosto 23, 2009

O Regresso


Por muito que se viaje Tempo acima e Tempo abaixo (tal qual como se o Tempo fosse um rio), há sempre um ancoradouro a que não podemos evitar regressar... só gostava de saber onde é que fica esse porto de abrigo...

sábado, agosto 22, 2009

O Abandono


Por vezes, a melhor coisa a fazer é deixar-nos levar como uma folha de Outono livremente soprada pelo vento. Em certos momentos, mais vale deixar de racionalizar as coisas e assistir à nossa vida como se fosse um filme no qual interpretamos a personagem principal. A única diferença é que não nos deram o guião... explicaram-nos mais ou menos quem somos e deixaram-nos por conta e risco da nossa capacidade de improviso.
E quanto mais felizes não seríamos se efectivamente esta fosse a vida de outro e não a nossa?

sexta-feira, agosto 21, 2009

Sino Sina


O sino está a tocar... Lembro-me de quando lhe arranjaram e pintaram a torre da última vez. Não tenho a certeza é de qual foi a ocasião... Seria um baptizado, um casamento ou um funeral? Talvez fosse no meu casamento, no baptizado do meu filho ou no meu funeral... Quem sabe?

quinta-feira, agosto 20, 2009

O Casarão


Era demasiado óbvio para a idosa conseguir eliminar aquela dúvida dos seus pensamentos. Qual deles era o homem diante de si? O avô, o filho ou o neto? Conhecera várias gerações de primogénitos daquela família e agora todas elas se fundiam na sua confusa cabeça. Qual deles seria? O sogro, o marido ou o filho? As paredes da velha casa pareciam fechar-se sobre a sua cabeça. Talvez fosse isto a eternidade... reviver sem fim os pormenores mais insignificantes da sua insípida existência.
"O futuro passa o Tempo a acontecer-nos." Comentou resignada.

terça-feira, agosto 18, 2009

O Caminho


" Caminharia contigo, no teu passado, no teu presente... e num teu futuro... !"

terça-feira, agosto 11, 2009

Escondido nos teus passos


Escondidos nos teus passos,
há a Luz e o Vento,
coexistem o Riso e o Silêncio.

quarta-feira, agosto 05, 2009

" Nunca digas Adeus... "


" Nunca mais digas adeus ao Tempo que te dei...
Na noite em que o teu caminho era o caminho das estrelas...
Em silêncio escrevi um poema nos teus olhos...
E sim, eu acredito nas flores que abrem de madrugada e te guardam os sonhos...
Acredito na melodia das ondas...
Nas palavras ditas junto ao mar...
Nos deuses que caminham nas águas...
E...
Acredito nos teus olhos que brilham na Luz... "

sábado, julho 25, 2009

As crónicas adiadas


Que sucederá aos pensamentos que ainda não tivemos? Onde ficará o arquivo das estórias por inventar? Em que esconderijo aguardarão para saltar ao meu caminho?

segunda-feira, julho 20, 2009

[ A Estrela Azul ]


" Voltaste ao teu mundo, ao teu vale, aos teus segredos mais intímos... naquele dia em que... mais uma vez... ao caminhares na noite escura... recordavas que a Humanidade não é como tu, que existes aqui, mas é além, naquela Estrela Azul que deves habitar...
Eu quero regressar ao brilho daquelas estrelas... porque é lá que posso ser eu mesmo... envolto nas pétalas das flores sagradas, brilhando ao luar, relembro a infância sonhada de outrora... recordo o acreditar nas palavras dos magos e fadas...
Hoje o teu carro percorre a cidade incógnito de toda a Humanidade... e tu sonhas com o teu vale... só tu sabes que lá longe uma Estrela Azul te aguarda e te abraça... "

terça-feira, julho 07, 2009

[ Believe Me ]



" - Não temas a escuridão porque sou eu que te guiarei... - penso quando tu estás longe...
Quantos te deram a sua alma e aguardaram por um anjo, enquanto vagueavam, sózinhos, nas ruas da cidade e nas montanhas...?
Além... és tu que fazes parte das recordações...
Habitas a alma de alguém, disso estás certo, de um outro Universo, eu sei, mas que um dia se cruzou, neste mesmo Lugar, contigo... porque tudo é possível para ti, lembras?
Que mais posso fazer para acreditares nas palavras escritas em que Deus foi testemunha?
Eu faria parar o Tempo só para reviver, passo a passo, o caminho dos peregrinos que contigo percorri...
Eu não sei escrever cartas de amor, só sei olhar os teus olhos, e, ao pôr do sol, lembrar-me de ti quando não estás a meu lado... "

segunda-feira, junho 08, 2009

[ O Peregrino ]


" Abraças as águas que caiem dos céus quando as tuas preces foram ouvidas...

Chegaste finalmente, passo a passo, a mais uma etapa da tua missão...

À noite... secretamente... na tua mente, todos os teus companheiros de caminhada acompanham-te... e escutas as vozes da montanha da cidade azul, que ecoavam nos vales, fazendo-se ouvir a voz dos Deuses num país que não era o teu... "

sexta-feira, junho 05, 2009

Peace Piece


Era uma terra estrangeira, uma língua desconhecida, mas ele há mensagens que são uma linguagem em si própria. O guia levara-os até ao cimo da montanha, haviam-se erguido verticalmente sobre toda a paisagem, levantavam os olhos até aos confins do tempo e do espaço. Mas o melhor estava ainda para chegar. Abandonando a paciência com que os acompanhara toda a subida, o guia disparara encosta acima, aguardando no rebordo duma rocha lá em cima. Quando alcançaram finalmente o patamar, o guia disse algo numa algaraviada impossível de entender e conduziu-lhes com um gesto o olhar, apontando com orgulho a nascente. Talvez fosse do cansaço, talvez fosse da hora tardia, mas a água brotou-lhes dos olhos em inesperada comoção... Estes ténues fios de água não alcançariam o mar, como o faria a frágil cortina de água diante deles, que recolheria outras lágrimas da terra no seu longo percurso até à foz, engrossando e fazendo ouvir cada vez mais forte a sua voz que aqui não era mais do que um leve murmúrio. Mas esta era uma fatia de paz de que nenhum deles desdenharia... um rejúbilio transbordava dos seus corações e inundava-lhes as faces. Todos se acomodaram por aqui e por ali, tomando esta pedra ou aquele tronco de árvore como assento e deixaram-se ficar no silêncio que o suave murmúrio da água beijava. O sol era já só um recorte na sombra do horizonte.

quinta-feira, junho 04, 2009

[ Estrada de Vida ]

" Num lugar esquecido pelo Tempo, secretamente murmuras ao vento o teu maior desejo de todos...
À tua frente as cores daquela tarde, juntamente com a melodia que ecoava lá longe, transportavam-te para aquela tarde onde um dia caminhaste...
Não deixaste marcas na areia por onde passaste, as águas lavaram o teu passado... e um futuro brilhava da côr do ouro à tua frente.
Passo a passo o teu caminho é cada vez mais para junto das águas onde julgas escutar os poemas escritos por ti mesmo... "

domingo, maio 24, 2009

A Linguagem do Tempo


O Tempo tem a sua própria linguagem... As palavras do Tempo são portas escondidas atrás de imagens que se renovam de cada vez que o coração bate em oração a um deus longínquo e incomunicável... A voz do Tempo morre na carapaça blindada dos dias, pese embora a infâmia dos segredos dos homens seja absolutamente ineficaz em calar-lhe o eco.

sexta-feira, maio 22, 2009

[ O Jardim Proibido ]


" Para lá daquelas montanhas antigas
que ninguém conhece...
Ficam os caminhos solitários
que o destino tece..."

segunda-feira, maio 18, 2009

Nunca


Recordas-te dos caminhos que nunca fizemos, das palavras que nunca dissemos e dos beijos que nunca trocámos?
Sim, também a mim me acompanham nos dias que nunca vivi.

domingo, maio 17, 2009

[ Algures no Centro do Mundo ]

" São os teus Caminhos de fé maiores que os meus?
Que sabes tu dos meus pensamentos quando penso em ti mesmo depois de te dizer adeus?
Saberás adivinhar o que sinto quando as minhas mãos tocam as tuas quando na noite escura sigo na estrada contigo a meu lado?
Eu quero caminhar a teu lado e nunca dizer-te adeus... quero ser o teu peregrino...
Pudesse eu guardar-te na memória das palavras escritas pelos profetas... "

sábado, maio 16, 2009

Os Amuletos


Haviam chegado encaixotados num dia como outro qualquer. Vinham de longe, de muito longe. Acumulavam nas suas feições a maturidade dos séculos e a sabedoria da felicidade. Eram demasiado perfeitos ou quem sabe excessivamente belos... a verdade é que a mínima oscilação da viagem fora suficiente para os danificar aqui ou ali. Relegados para as traseiras do templo em breve recebiam mais visitantes que os seu incólumes irmãos. É claro que há sempre alguém para quem a imperfeição será sempre perversamente mais sedutora do que a perfeição.

sexta-feira, maio 15, 2009

[ O Reencontro ]


Na miragem eu reconheci-te
Falei às pedras o teu Nome
Procurei-te dia e noite
Às estrelas perguntei o teu caminho...

E ao Luar, naquela noite fria
Reconheci quem procurei
Eu do meu reino me despedi
És para mim a noite e o dia...

terça-feira, maio 12, 2009

Bom dia


Arrumara as suas coisas antes do nascer do dia. Quando estivesse longe enviaria uma mensagem aos colegas desculpando-se pela partida súbita. Na realidade não sabia se não partira já e se tudo isto não era já apenas uma recordação. O seu coração queria ficar, mas a mente ordenava a partida. A mulher e o filho não o esperavam tão cedo, mas se não partisse agora talvez jamais regressasse. Ao sair do edifício levantou a gola do casaco e brincou com a nuvem desenhada pelo bafo da sua respiração. No percurso entre a casa grande e o carro ficou paralisado pelo surgir duma silhueta já familiar ao dobrar a esquina. Era ela! Mais uma vez ela. Olhou-o nos olhos e disse "Bom dia." Era a terceira saudação que trocavam ...e a última. O homem correu para o carro e partiu sem demora. Não se tornariam a ver. Anos mais tarde, quando voltasse àquela mesma quinta para ainda uma outra reunião, perguntaria ao caseiro do modo mais casual que lhe fosse possível por uma funcionária muito simpática com a qual se cruzara tantos anos antes... O velho caseiro levantaria um pouco a boina e coçaria a testa, acenando negativamente a cabeça. Não se lembrava de ninguém com tal descrição e estava ali ao serviço desde sempre. Cismado seguiria o seu caminho pela quinta e nessa mesma noite, enquanto falava ao telemóvel com o filho, agora um universitário, procuraria o silêncio duma sala reservada da casa grande, deparando com um retrato familiar onde reconheceria um amistoso rosto feminino gasto pelos séculos e pela memória...

segunda-feira, maio 11, 2009

Boa noite


Depois do jantar procurou o refúgio da lagoa. Precisava de respirar e colocar as ideias e os pensamentos tumultuosos no seu lugar. Como que por um passe de magia a gravidade dos assuntos que o haviam trazido àquela reunião parecia ter-se desvanecido completamente, tal qual a neblina que por vezes guardava a superfície da lagoa... a mesma lagoa que tantas recordações parecia evocar, embora fosse a primeira vez que se detivesse diante das suas margens... Sentiu passos atrás de si. Virou a cabeça lentamente. Era ela... "Boa noite!" Desejou-lhe com um sorriso e seguiu o seu caminho sem tornar a olhar para trás. Boa noite... Como poderia agora a noite ser boa senão nos seus braços?

domingo, maio 10, 2009

Bem-vindo


Chegara bastante atrasado ao local da reunião há tanto tempo agendada. Uma mulher caminhou na sua direcção desde a casa grande. "Bem-vindo!" dissera-lhe ela como se o recebesse pela primeira vez... E efectivamente nunca antes se haviam encontrado. Porém ele juraria que se conheciam há muito tempo atrás ...e que esta não era primeira vez que se cruzavam, mas sim a última. Não sabia quem seria a melhor testemunha daquela sensação: a lagoa ou os patos que a atravessavam...

sábado, maio 09, 2009

[ Hasta Siempre! ]


" Era o dia da despedida... olhavam-se pela última vez, olhos nos olhos...
Embora se conhecessem bem e há alguns anos, só hoje repararam que tão diferentes estavam desde aquele primeiro dia em que o destino os fez cruzarem-se.
Sorriram...
- Será que alguma vez nos vamos ver mais?
- Não sei... talvez... há quem diga que não se deve dizer nunca...
- Vai ser duro nos próximos tempos...
- Eu sei que vai.
- Tens de ir...
- Yo lo se... tengo que irme... hasta siempre...
- Hasta siempre... "

quinta-feira, maio 07, 2009

O dia morre amanhã


Tarde na manhã, manhã que é quase tarde... o rio segue placidamente o seu caminho, indiferente ao espectador solitário que sou eu. De forma quase involuntária salto para margem e inclino-me para inspeccionar o leito do rio. O meu reflexo (ou uma versão distorcida do meu reflexo) intromete-se entre nós. Encontro-me comigo próprio, subitamente estranho e misterioso, na superfície do rio, como se não fosse eu, mas o meu pai, o meu avô ou bisavô. É um pouco como se todas as gerações do meu sangue me espiassem com um certo desdém e desgosto. Talvez me recriminem por daqui a alguns anos não estar o filho que não tenho a olhar para mim na superfície sem forma deste ou doutro rio. Mas o que lhe poderia ensinar eu para além da verdade de que o dia morre amanhã?

domingo, maio 03, 2009

[ Tempos Paralelos... ]


" Por vezes acredito em mundos paralelos onde habita o que não existe deste lado de cá, mas acontece-me confundir essas realidades...
Por vezes não sei se estou do lado de cá...
Se do lado de lá...
Seremos nós mesmos essas duas realidades?
Serão esses caminhos paralelos realidades de um só caminho?

De que lado habitas tu?"

quinta-feira, abril 30, 2009

O Burocrata


"Quantas promessas vivem fora de nós?" Lia-se na folha de papel cuidadosamente dobrada. O Burocrata voltou a olhar para o lacre quebrado. Devia ter prestado mais atenção ao selo antes de o quebrar, agora seria impossível reconstituir o brasão que escondia aquela intrigante pergunta. Pegou no telefone e perguntou à secretária quem deixara a insólita missiva. Alguém a deixara por debaixo da porta, ela limitara-se a recolhê-la e a deixá-la sobre a sua mesa de trabalho. O Burocrata levantou-se da sua secretária e caminhou até à janela. Quantas promessas viveriam fora dele? Haveria sobrevido alguma ao peso dos anos e das obrigações? Observou a rua lá fora. Defronte do edifício um homem olhava para cima. Estaria a vê-lo? O Burocrata escondeu-se atrás do reposteiro. O homem lá em baixo não movera uma pestana. Não, não o devia estar a ver. Alguém chamou o estranho. Ele deu meia volta e desapareceu na esquina mais próxima. O Burocrata abriu precipitadamente a janela e tentou ver sem sucesso quem chamara o estranho. Poderia jurar que fora essa mesma pessoa a enviar-lhe a mensagem lacrada.

terça-feira, abril 28, 2009

[ Quantas Promessas Vivem Naquelas Paredes Além? ]


" Ao percorrer as ruas da cidade lembrou-se das promessas que partilhou noutros Tempos... e... passo a passo, percorria de novo os mesmos lugares lembrando cada momento passado... o cheiro era o mesmo, as lojas estavam no seu lugar, como era esperar estarem... mas algo mudou em si mesmo... estaria ele no outro lado do Tempo?
A cidade parecia-lhe ter congelado durante uns instantes e ele sabia, exactamente, por onde passara anos antes...
Nas paredes escuras lia as promessas de outros Tempos, as mesmas palavras soavam através do Tempo como se fossem hoje, a voz de outros Tempos ainda rompia das paredes... até conseguia escutar os seus próprios passos se estivesse atento...
Aquele instante voltara ao normal, estava de novo no seu Tempo... «quantas promessas vivem naquelas paredes além» - pensou antes de alguém o chamar... "

segunda-feira, abril 27, 2009

Momentário


Nunca entendi se se tratou dum momento de sonho ou o sonho dum momento... Quem fora fisgado? O peixe pela cana do pescador lá longe, ou eu próprio pelo isco do Tempo? Pareceu-me ouvir o barulho dum anel a mergulhar no mar no preciso instante em que tudo se incendiou na volúpia do entardecer e um mergulhador do outro lado do mundo descobriu a relíquia a brilhar por entre as cores do coral. Acredito que passe as próximas horas a tentar limpar o precioso achado. Um anel é apenas um anel, mas um mistério nunca será apenas um mistério. Imagino-o a abrir a boca de espanto ao observá-lo atentamente contra o céu. Talvez tivesse o teu nome inscrito do lado de dentro... mas que sei eu? Eu sou apenas o veículo do Tempo.

domingo, abril 26, 2009

[ Histórias de um Tempo ]



" Quantas estrelas estão no céu?

Perguntas tu, enquanto os teus olhos procuram no horizonte a estrela da tarde... e a noite cai, devagar e silenciosa...
Naquele lugar, sentes as palavras que um dia leste, relembras a poesia e materializas cada palavra dos poemas na imagem que se estende à tua frente...
Sonhavas com uma viagem no Tempo, para voltares ao lugar onde a melodia das ondas reflectiam o brilho dos olhos que olhavam o horizonte... em busca... de um abraço... "

quinta-feira, abril 23, 2009

[ O Meu Silêncio... ]



" Ao longe o mar reescreve a poesia que um dia não foste capaz de escrever... e, ao mesmo Tempo, recordas o toque suave das mãos que conheceste...
Hoje o teu silêncio é melodia de uma noite à beira mar... e desejas sentir, num abraço, o pulsar do Universo segredando-te a palavra «amo-te»... "

segunda-feira, abril 20, 2009

As duas estradas


Teria optado bem ao tomar a estrada de cima ou deveria ter seguido a estrada de baixo? Tinha de estar no local da reunião ao princípio da tarde sem falta… De qualquer modo estava tão alto na montanha que isso parecia um pormenor sem a mínima importância, ridículo até! Olhasse para onde olhasse não via vivalma. Nunca se sentira tão longe dos homens e do mundo… Por um momento não se sentia escravo da vida. Que interesse tinha se houvesse perdido o rumo e se encontrasse a milhas de onde deveria estar? Sabia lá se era manhã ou tarde! Talvez fosse apenas tarde na manhã, o compromisso ideal entre dois períodos de tempo irreconciliáveis. Era assim que se sentia: como um homem em que convergissem dois seres separados pelo passado e pelo futuro. A chuva não deveria tardar muito mais... Viesse ela! Que o lavasse de todas as impurezas e inúteis incertezas da viagem!

sábado, abril 18, 2009

[ Para Além de Ti... ]


" No dia em que chegaste a tua casa, mais uma vez te encontraste de novo no teu lugar... só que, desta vez, pareceram-te ser outras as tuas coisas... que te aconteceu?
Seria a tua ausência sentida de forma tão intensa pela matéria que te rodeava, que se distorceu no Tempo e no espaço?
Ou serias Tu mesmo que mudaste?
Olhaste-te ao espelho, lembras-te? E sorriste...
Aquele serias tu mesmo?
Abriste a janela, eu sei que sim... e deixaste entrar a luz da manhã...
Ao mesmo Tempo algo te inquietava... tudo ao teu redor agora te parecia temporário, como se um determinado Tempo estivesse a acabar e um outro Tempo te aguardava algures num determinado futuro... e respiravas fundo tentando esquecer-te daquelas paredes...
Precisavas de uma voz naquele silêncio, a música não te chegava para abafar a tua inquietação...
Abraçaste a tua almofada e obrigaste-te a adormecer num outro lugar... onde o mar soava como uma melodia e o luar guardava no brilho das águas o segredo que guardas no teu peito..."

sexta-feira, abril 17, 2009

O Dom

Sou a chama duma vela perante um tornado,
uma sarça ardente na iminência duma chuvada.
Sou um soldadinho de chumbo com alma de bonecreiro,
um mercenário com medo do escuro.
Sou uma estrada esquecida semeada de ervas daninhas,
um par de botas com as solas gastas.
Sou o brasão duma família falida,
um casarão em ruínas.
Sou uma caneta a que se acabou a tinta,
uma página de papel a que se esborrataram as palavras.
Sou um relógio a quem se esqueceram de dar corda,
um tempo que nunca foi antes de o chegar a ser.
Sou uma cama desfeita depois do amor,
uma insónia adormecida no fundo da consciência.
Sou uma beata de cigarro espezinhada no meio da rua,
as últimas gotas duma garrafa de uísque a ser despejada num copo.
Sou um revolucionário a quem falharam os ideais,
o único sobrevivente dum naufrágio a quem atrasam o salvamento.

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