Nem tudo começa aqui e nem tudo acaba aqui

Uma viagem conduzida por:

quinta-feira, abril 30, 2009

O Burocrata


"Quantas promessas vivem fora de nós?" Lia-se na folha de papel cuidadosamente dobrada. O Burocrata voltou a olhar para o lacre quebrado. Devia ter prestado mais atenção ao selo antes de o quebrar, agora seria impossível reconstituir o brasão que escondia aquela intrigante pergunta. Pegou no telefone e perguntou à secretária quem deixara a insólita missiva. Alguém a deixara por debaixo da porta, ela limitara-se a recolhê-la e a deixá-la sobre a sua mesa de trabalho. O Burocrata levantou-se da sua secretária e caminhou até à janela. Quantas promessas viveriam fora dele? Haveria sobrevido alguma ao peso dos anos e das obrigações? Observou a rua lá fora. Defronte do edifício um homem olhava para cima. Estaria a vê-lo? O Burocrata escondeu-se atrás do reposteiro. O homem lá em baixo não movera uma pestana. Não, não o devia estar a ver. Alguém chamou o estranho. Ele deu meia volta e desapareceu na esquina mais próxima. O Burocrata abriu precipitadamente a janela e tentou ver sem sucesso quem chamara o estranho. Poderia jurar que fora essa mesma pessoa a enviar-lhe a mensagem lacrada.

terça-feira, abril 28, 2009

[ Quantas Promessas Vivem Naquelas Paredes Além? ]


" Ao percorrer as ruas da cidade lembrou-se das promessas que partilhou noutros Tempos... e... passo a passo, percorria de novo os mesmos lugares lembrando cada momento passado... o cheiro era o mesmo, as lojas estavam no seu lugar, como era esperar estarem... mas algo mudou em si mesmo... estaria ele no outro lado do Tempo?
A cidade parecia-lhe ter congelado durante uns instantes e ele sabia, exactamente, por onde passara anos antes...
Nas paredes escuras lia as promessas de outros Tempos, as mesmas palavras soavam através do Tempo como se fossem hoje, a voz de outros Tempos ainda rompia das paredes... até conseguia escutar os seus próprios passos se estivesse atento...
Aquele instante voltara ao normal, estava de novo no seu Tempo... «quantas promessas vivem naquelas paredes além» - pensou antes de alguém o chamar... "

segunda-feira, abril 27, 2009

Momentário


Nunca entendi se se tratou dum momento de sonho ou o sonho dum momento... Quem fora fisgado? O peixe pela cana do pescador lá longe, ou eu próprio pelo isco do Tempo? Pareceu-me ouvir o barulho dum anel a mergulhar no mar no preciso instante em que tudo se incendiou na volúpia do entardecer e um mergulhador do outro lado do mundo descobriu a relíquia a brilhar por entre as cores do coral. Acredito que passe as próximas horas a tentar limpar o precioso achado. Um anel é apenas um anel, mas um mistério nunca será apenas um mistério. Imagino-o a abrir a boca de espanto ao observá-lo atentamente contra o céu. Talvez tivesse o teu nome inscrito do lado de dentro... mas que sei eu? Eu sou apenas o veículo do Tempo.

domingo, abril 26, 2009

[ Histórias de um Tempo ]



" Quantas estrelas estão no céu?

Perguntas tu, enquanto os teus olhos procuram no horizonte a estrela da tarde... e a noite cai, devagar e silenciosa...
Naquele lugar, sentes as palavras que um dia leste, relembras a poesia e materializas cada palavra dos poemas na imagem que se estende à tua frente...
Sonhavas com uma viagem no Tempo, para voltares ao lugar onde a melodia das ondas reflectiam o brilho dos olhos que olhavam o horizonte... em busca... de um abraço... "

quinta-feira, abril 23, 2009

[ O Meu Silêncio... ]



" Ao longe o mar reescreve a poesia que um dia não foste capaz de escrever... e, ao mesmo Tempo, recordas o toque suave das mãos que conheceste...
Hoje o teu silêncio é melodia de uma noite à beira mar... e desejas sentir, num abraço, o pulsar do Universo segredando-te a palavra «amo-te»... "

segunda-feira, abril 20, 2009

As duas estradas


Teria optado bem ao tomar a estrada de cima ou deveria ter seguido a estrada de baixo? Tinha de estar no local da reunião ao princípio da tarde sem falta… De qualquer modo estava tão alto na montanha que isso parecia um pormenor sem a mínima importância, ridículo até! Olhasse para onde olhasse não via vivalma. Nunca se sentira tão longe dos homens e do mundo… Por um momento não se sentia escravo da vida. Que interesse tinha se houvesse perdido o rumo e se encontrasse a milhas de onde deveria estar? Sabia lá se era manhã ou tarde! Talvez fosse apenas tarde na manhã, o compromisso ideal entre dois períodos de tempo irreconciliáveis. Era assim que se sentia: como um homem em que convergissem dois seres separados pelo passado e pelo futuro. A chuva não deveria tardar muito mais... Viesse ela! Que o lavasse de todas as impurezas e inúteis incertezas da viagem!

sábado, abril 18, 2009

[ Para Além de Ti... ]


" No dia em que chegaste a tua casa, mais uma vez te encontraste de novo no teu lugar... só que, desta vez, pareceram-te ser outras as tuas coisas... que te aconteceu?
Seria a tua ausência sentida de forma tão intensa pela matéria que te rodeava, que se distorceu no Tempo e no espaço?
Ou serias Tu mesmo que mudaste?
Olhaste-te ao espelho, lembras-te? E sorriste...
Aquele serias tu mesmo?
Abriste a janela, eu sei que sim... e deixaste entrar a luz da manhã...
Ao mesmo Tempo algo te inquietava... tudo ao teu redor agora te parecia temporário, como se um determinado Tempo estivesse a acabar e um outro Tempo te aguardava algures num determinado futuro... e respiravas fundo tentando esquecer-te daquelas paredes...
Precisavas de uma voz naquele silêncio, a música não te chegava para abafar a tua inquietação...
Abraçaste a tua almofada e obrigaste-te a adormecer num outro lugar... onde o mar soava como uma melodia e o luar guardava no brilho das águas o segredo que guardas no teu peito..."

sexta-feira, abril 17, 2009

O Dom

Sou a chama duma vela perante um tornado,
uma sarça ardente na iminência duma chuvada.
Sou um soldadinho de chumbo com alma de bonecreiro,
um mercenário com medo do escuro.
Sou uma estrada esquecida semeada de ervas daninhas,
um par de botas com as solas gastas.
Sou o brasão duma família falida,
um casarão em ruínas.
Sou uma caneta a que se acabou a tinta,
uma página de papel a que se esborrataram as palavras.
Sou um relógio a quem se esqueceram de dar corda,
um tempo que nunca foi antes de o chegar a ser.
Sou uma cama desfeita depois do amor,
uma insónia adormecida no fundo da consciência.
Sou uma beata de cigarro espezinhada no meio da rua,
as últimas gotas duma garrafa de uísque a ser despejada num copo.
Sou um revolucionário a quem falharam os ideais,
o único sobrevivente dum naufrágio a quem atrasam o salvamento.

quinta-feira, abril 16, 2009

No Outro Lado do Mundo Caminhas a Meu Lado


" Pertenço ao lado de lá... ao outro lado dos pensamentos, onde tu caminhas a meu lado para sempre...
Habita comigo o teu passado, as tuas mágoas, o teu choro secreto nas noites de solidão em criança...
Nas praias desertas que um dia te sentaste... fui eu que te toquei...
Sem o saberes a teu lado estive sempre eu...
Cada palavra dos meus poemas guarda um secreto mundo onde tu habitas... mais do que alguma vez pensaste...
Como eu gostaria de adivinhar-te os pensamentos mais secretos...
Para um dia, no outro lado do Mundo...
Realizar todos os teus sonhos... "

terça-feira, abril 14, 2009

[ Quando o Teu Primeiro Dia é o Teu Último Dia... ]


" Como é possível que passado tantos anos, ainda recordes esse dia, como se fosse hoje mesmo?
O toque das suas mãos, hoje parece-te tão real como naquele dia... a sua voz... parece-te tão límpida que julgas estar a seu lado... naquele caminho, naquele dia... no teu primeiro dia, no teu último dia... o dia em que tudo começou e o dia em que tudo acabou...
Olhas mais além... talvez para um futuro longínquo... e lá adiante, alguém te dá a mão enquanto escutas o imenso Oceano... e voltas a sentir um outro toque nas tuas mãos... que te transporta de novo para o centro do Mundo... e sentes o pulsar do Universo na respiração de quem te abraça..."

sexta-feira, abril 10, 2009

A Passadeira Vermelha


No entanto, à medida que avançava, a passadeira vermelha ia ficando mais gasta e descuidada, parecendo estar a afastar-se no tempo, como se fizesse o percurso inverso ao do alto dignitário para quem a haviam colocado. Se este grande homem teria feito aquele mesmo caminho, começara no ponto para o qual ele se dirigia e dera por terminada a viagem no ponto onde ele a começara. Sentiu uma tontura e uma vertigem, idêntica em tudo à que sentiu no dia em que mergulhara do penhasco mais elevado da baía onde nascera. Por mais que nadasse procurando a superfície não a conseguia alcançar, tendo até considerado que estivesse a nadar rumo ao fundo e não em direcção à superfície. E não teria sido assim? Que garantia tinha de que tudo aquilo que vivera depois não era o passado, mas um futuro que afinal nunca chegaria a viver?

quarta-feira, abril 08, 2009

[ Segue o teu Azul... e até breve... ]


" A voz que sempre te seguiu e te deu forças ergue-se à tua frente num imenso azul... ao longe sonhaste com o mar e a lua... e tiveste o mar e a lua...
És um guerreiro da Luz e não estás só... ao teu lado alguém que está contigo diz-te em pensamento enquanto vislumbras o mar... « Segue o teu azul... e até breve...»"

terça-feira, abril 07, 2009

A Casa


Vestiu o smoking que usara no dia do casamento. Quantos anos se haviam passado? Dois? Três? Vinte? Trinta? O céu estava cinzento e amarelo naquela manhã de Abril ...exactamente como hoje. Olhou-se no espelho na expectativa de encontrar ainda o menino imberbe que usara aquele fato pela primeira vez... Recordava bem como o coração lhe enchia o peito nessa manhã ...como nunca mais voltara a encher. Ainda assim o fato assentava-lhe como uma luva nessa manhã ...agora parecia ter encolhido na proporção do mirrar do seu coração ...ou talvez tivesse sido o seu corpo a inchar na impossibilidade da sua pele destilar todo o álcool que emborcava ininterruptamente. Chegou à janela e deixou-se ficar a medir as alterações que haviam acontecido na paisagem desde que aquela deixara de ser a sua casa. Desencostou-se rapidamente da umbreira ao reparar como o pó vincara um desalento ainda maior no triste e amarrotado fato. Não devia ter voltado ali. O fracasso é muito mais opressor no cenário da derrota. Preparou-se para devolver o smoking ao esquecimento de que o velho guarda-roupa não era mais do que um simples invólucro. Ao passar os olhos pelo quarto algo lhe pareceu estranho. Algo não estava bem ali. Olhou inquisidor a toda a volta até dar com o seu reflexo no espelho... O fato assentava-lhe como uma luva. Tudo estava absolutamente impecável. Os cabelos grisalhos haviam retomado a tez revigorada doutros tempos. Mas apesar da euforia inicial, algo travou o movimento que o impelira para mais perto do espelho. Porque se olhava com tamanha desconfiança? Algo estava errado com todo o quadro... Então lembrou-se... No dia do seu casamento, mesmo antes de sair para a cerimónia, ao passar uma última vez à frente do espelho da porta interior do guarda-roupa dera com uma estranha anomalia no reflexo... via-se estranhamente envelhecido e distorcido. Assustado atirara com uma cadeira ao espelho, que em vez de se estilhaçar em mil pedaços regressara ao normal. Sorrira nervosamente para o seu novamente familiar reflexo e abandonara precipitadamente a casa. Quantos anos se haviam passado desde então? Dois? Três? Vinte? Trinta? De regresso ao presente dava consigo perante um espelho estilhaçado impossibilitado de transmitir o aviso que lhe ficaria eternamente preso na garganta.

domingo, abril 05, 2009

[ No Labirinto do Tempo... ]


" Algures... na noite fria... continuas a caminhar sózinho... tu sabes isso...
Lá em baixo, na cidade branca, recordas os momentos e a voz de quem habitou a cidade e que adorava escrever sobre ela...
Não compreendes a Humanidade nem os Homens que nela habitam, estão tão longe do castelo dos teus sonhos que te parece habitares um outro planeta, um outro Universo... quiçá paralelo ao teu próprio...
No vale em que andaste esta manhã... os pássaros receberam-te como sempre... os cheiros são os mesmos de quando eras criança enquanto descobrias que conseguias voar por entre as árvores altas...
Assim, no labirinto do Tempo, é aqui que te encontras... é aqui que o passado, o presente e um futuro te parece ser a mesma coisa..."

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