Nem tudo começa aqui e nem tudo acaba aqui

Uma viagem conduzida por:

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Encantamento


Da janela da sua cela o mundo afigurava-se infinitamente mais belo do que depois de calcorrear os caminhos encosta abaixo. Lá em cima havia uma viagem imaginária a empreender rumo à água revitalizadora do rio. Cá em baixo apenas o frio que se entranhava nos ossos e as gotas molhadas que o sol tardava em secar por toda a sua pele. Nessas alturas recordava a pressão suave do corpo dela, aquecendo-o num abraço que nunca era suficientemente longo. Por esses dias a água do rio parecia-lhe estranhamente tépida e agradável. Pensava em como era gostosa a sensação dos lábios dela sobre o seu ombro molhado, sobre o seu peito mal seco, sobre... Alguém o chamava. Será que!... Não, não era ela. Ela esfumara-se no tempo, como se nunca houvera existido. Aquela era simplesmente a voz do engano, um truque de ventríloquo do destino, servindo-se dum ramo partido, dum cacho de uvas a cair, dum animal a escapar-se pelas giestas. Era hora de voltar para o mosteiro, as tinas estavam já cheias de água. Puxou o burro, mas olhou uma última vez para trás desconfiado. Poderia jurar que ela o olhava por detrás daqueles arbustos ou daquelas pedras. Mas como poderia isso ser? Não fora naquele rio que se havia banhado com ela... não haviam sido aquelas águas as testemunhas silenciosas das suas amnésicas juras de amor eterno... Por estranho que parecesse, e apesar de ele nunca ter cumprido a promessa do regresso à margem desse outro rio (para quê estragar um momento perfeito?), aquele continuava a ser um lugar prodigioso, uma espécie de encruzilhada de magia e encantamento onde tudo parecia possível.

1 comentário:

Passageiro do Tempo disse...

Um texto fenomenal...... um grande abraço!!!!

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