
Lembro-me bem dele... Ele contava o seu dia de trás para a frente e da frente para trás. Tudo o que lhe acontecia, desde o mais insignificante dos episódios até ao mais crucial dos acontecimentos, ganhava um tom exoticamente épico e apaixonado na sua voz.
Ele não alugava a atenção das pessoas, ele mudava-se pra dentro da cabeça do ouvinte - pelo menos enquanto houvesse uma história para contar.
Na realidade, e por muito absurdo que isto lhe soasse se alguém o confrontasse com o facto, ele exaltava e glorificava eventos impossíveis...
Aquele amigo, reencontrado inesperadamente um passo à sua frente na fila dos correios, voltara a desaparecer como se nunca tivesse existido tão logo desviara o olhar...
Aquele restaurante onde comera a melhor mousse de chocolate do universo desintegra-se tão logo lhe voltara as costas...
A fila de trânsito que o atrasara para o nosso encontro tornara-se impossível logo que os carros retomaram a marcha...
No fim de contas ele vivia num mundo que deixava de existir mal abria a boca...
Não lhe valia de nada martirizar-se a pensar no que poderia ter dito na situação
X depois de tudo passado e encerrado... "As coisas dentro da nossa memória parecem sempre bastante mais claras e lógicas, suscitam-nos aquela resposta de mestre que ficou por dar no calor do momento que nos toldou o raciocínio." Desabafou certa vez.
Talvez o frustasse saber que não podia contar-me o futuro, pois essa seria a prova acabada de que ele existia realmente e que tudo à sua volta era muito mais do que uma simples ilusão.
Mas são estas as miudezas e as glórias dum contador de histórias...
Em certa medida eu concordo com ele - esta é a vida ideal para contar histórias, mas sobretudo para as viver.