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sexta-feira, fevereiro 09, 2007

À velocidade do pensamento



O vendedor explicava-me como utilizar o aparelho maravilha por forma a manter a casa sempre imaculadamente limpa.

No fim da explicação perguntou-me:

- Tem alguma dúvida a que queira que eu responda?

Pensei durante um instante e disparei de chofre:

- Donde é que vêm os pensamentos?

- Como?... - Sobressaltou-se o homem.

- Donde é que vêm os pensamentos? - Repeti. E, depois de pensar meio instante, acrescentei - E para onde é que vão?

- Não sei se compreendo... - Abriu o vendedor muito os olhos.

- É simples. - Clarifiquei. - Todos os dias somos assaltados por milhões de pensamentos. Pensamos no que vestir, o que vestir, o que comer, de quem gostamos, de quem não gostamos, nque aconteceu há dez anos, no que vai acontecer daqui a dez anos, o que fazer agora, o que fazer a seguir... Pois bem, a minha questão é donde vêm essa multidão de pensamentos?

O vendedor olhava perplexo para mim.

- Nunca se fez esta pergunta? - Insisti.

- Bem... não... - Confessou encavacado o vendedor.

- Eu não sei donde vêm, mas acho que há uma roda gigante a girar dentro de nós.

O homem olhava-me gravemente sem soltar uma palavra.

- Uma roda que... - Continuei. - Como lhe hei-de explicar? - Uma roda... uma roda... uma engrenagem a girar no vazio. Uma engrenagem em constante movimento, mas nós só conseguimos ver a roda de frente... tipo como se olhássemos para uma tela de cinema... só percebemos que está em movimento porque os pensamentos começam a surgir tenuemente na ponta esquerda e... VRUM!!!, desaparecem pela ponta direita. Não se consegue contabilizar-lhe a duração, o peso ou qualquer outra característica ou qualidade. O que lhe parece.

O vendedor coçava intrigado o cocuruto da cabeça.

- Claro que há outras hipóteses. - Prossegui entusiasmado anets dele ter tempo de responder. - Também já pensei num daqueles monitores de hospital que se vêm nos filmes. Está a ver? - Interroguei. - Daqueles que servem para ver os sinais vitais. Há uma linha que é o nada e de repente PIP!, lá vem um pensamento e outro e outro e outro. PIP!!! PIP!!! PIP!!! Nessa perspectiva os pensamentos são o que nos separa da morte... são o oposto de estar morto, sendo a morte o estado que precedeu o nosso nascimento e aquilo que nos espera quando o corpo colapsar.

Hesitei um segundo e embalei para uma outra ideia:

- E agora que penso nisso, observo que há ainda outra analogia que podemos fazer: os pensamentos são quase como as linhas na folha acabadina de retirar dum sismógrafo após um terramoto. Os pensamentos são como um tremor de terra dentro de nós.

Expliquei triunfante.

- Só que - continuei refreando o meu entusiasmo -, evidentemente, nada disto responde à minha questão inicial: donde é que vêm e para onde é que vão os pensamentos. Tanto a roda-tela-de-cinema, como o monitor dos pensamentos-vida como os pensmaentos-folha-de-papel-do-sismógrafo são imagens que enquadram e descrevem os pensamentos mas não me dizem nada sobre a sua origem e verdadeira natureza.

Seguiu-se um silêncio comprometido até que o vendedor arriscou perguntar:

- Mas sempre compra o aparelhozinho ou não?


5 comentários:

Passageiro do Tempo disse...

Em primeiro lugar eu não pude de sorrir ao ler o teu texto... é delicioso...
Em segundo lugar, genial! Fantasticamente e absolutamente genial! Por momentos recordei Einstein quando alguém o descreveu enquanto ele falava de buracos negros, algo que ele falou e provou existir matematicamente, muito anos antes de se ter evidências científicas deles...
Os génios falam de coisas que existem, mas só alguns as sabem ver...

Grande abraço Catarino!

Pascoalita disse...

eheheh excelente! gostava de me saber exprimir assim. Não tenho dúvidas de q minha "roda de pensamentos" cá dentro seja tão gigante como essa imaginária k refere, mas talvez os meus pensamentos voem a maior velocidade, só pode ser isso, não dando tempo a k os passe a escrita eheheh
Fez-me rir com gosto e veio-me à memória aquela fabulosa explicação sobre o funcionamento da telefonia, creio que no filme "a canção de lisboa" do grande actor antónio silva eheheh

Anónimo disse...

"os pensamentos são o que nos s$epara da morte... "

Um texto brilhantemente escrito...

Abraço
Rui Queirós

Pepe Luigi disse...

Memorável esta tua criação!
Uma ilustração narrativa nuito bem conseguida e com um salero de humor.
Parabéns.
Tenho a certeza que o vendedor antes de se propôr a vender algo que seja irá pensar sobre o pensamento

Um abraço
do Pepe.

ACENDALMA disse...

Se esse vendedor vendesse uma máquina que gravasse o pensamento... eu comprava! Pois, já há muitos anos, mesmo muitos, que senti que deveria existir essa máquina! Mas ainda não a encontrei, penso até que ainda não foi inventada :-( ou já o terá sido e eu de nada soube?
Bem, se esse vendedor vendesse tal máquina logo de seguida teria de indagar se ele tinha para vender uma máquina que seleccionasse os pensamentos que eu iria querer de volta...

Abraço

Talvez

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