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Uma viagem conduzida por:

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Ex-torturas



Estruturas a toda volta asfixiam-me,
como se me manobrassem,
tal qual fosse eu uma marioneta,
como se um grua gigante se estendesse por todo o espaço onde gasto as solas dos meus sapatos,
puxando os cordelinhos a todos os meus movimentos,
com sacudidelas grotescas mas cirúrgicas,
onde eu estive hoje seguiu-me sempre uma sombra ameaçadora...
nunca consigo distinguir a sombra dum prédio da grua mãe que me sentou nesta cadeira a escrever estas palavras
um puxão suave
e eu teclo
t-e-c-l-o
letra a letra
até formar as palavras
bizarramente irreais no monitor do meu computador...
estas palavras que leio agora são estranhamente ambíguas
são reais e irreais...
podia apagá-las todas
ou pelo menos as últimas...
não faço a mínima ideia de como continuar este texto
sei que terminará com a expressão-trocadilho que dá nome a este post
"ex-torturas", variação-delírio fonético de "estruturas"...
(pausa para reler)
a grua mãe continua a sacudir os cordelinhos
c-o-r-d-e-l-i-n-h-o-s
e as palavras continuam a ter uma natureza relativamente precária
se as escrevesse numa folha de papel talvez pudesse amarrotá-la e deitar para a caixa dos papéis,
e quem sabe alguém a descobrisse um dia numa linha de reciclagem de papel e exumasse este instante,
mas se eu decidir apagar estas linhas do computador
elas perder-se-ão para todo o sempre
este momento desfar-se-à em fumo na chama viva da minha memória
do meu "estar vivo aqui e agora"

(pausa para pensar - continuo sem saber como saltar para a palavra final deste texto que tem princípio e um fim, mas se perdeu perigosamente pelo labirinto do meio)

Uma grua gigante brinca comigo
como se eu fosse um boneco nas mãos do Mestre dos Marionetas
e esse Mestre das Marionetas sou eu próprio
só que não conheço o argumento da minha vida
posso apenas extrapolar, sonhar, recordar...
Estruturas a toda a volta asfixiam-me,
gostava de estar num monte tão alto onde o céu aberto me convencesse de que não há fios presos aos membros
e eu pudesse dançar uma dança maluca
uma dança da liberdade
onde se me pudesse ver sem ter nenhum espelho por perto
ver-me, mas ver-me mesmo
e onde as estruturas fossem ex-torturas.

3 comentários:

Passageiro do Tempo disse...

Para te dizer com toda a franqueza nem sei o que hei-de escrever, tal é o impacto que teve em mim quando o li... deveras fascinante essa viagem ao centro do teu Eu e de tudo o que o rodeia... uma reflexão espantosa... muito honesta...

Grande abraço!!!

António Gil disse...

Um texto notabilíssimo,que pede Silêncio contemplativo...uma escrita deslumbrante,inquietante,mas,por isso mesmo,geradora de passos bem estugados no Caminho do melhor de Ti próprio...Abraço amigo...

Unknown disse...

Expressão do turbilhão de pensamentos que se tenta ordenar de forma a escrever algo com lógica ... nem sempre é possível ter lógica ...
Grande exteriorização de sentimentos!!
Beijinhos

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